sábado, 20 de abril de 2024

Da Mesma Matéria

Já falei sobre isso aqui em algum lugar, a parte que mais me interessa em qualquer coisa é o processo. Mas, não foi sempre assim. Quando eu era criança, cheguei a tentar escrever uma história onde nada de ruim aconteceria. Não deu muito certo, é obvio.... Eu precisava tanto sentir segurança, que costumava ser muito ansiosa pelos resultados e por isso, muito controladora. Precisou acontecer algo muito sério, ver onde fica o limite do medo e experimentar a realidade da impermanência, para isso amadurecer em mim, e o que está acontecendo agora, passar a ser mais relevante que o que vem depois. No entanto, processos observados a certa distância continuam sendo mais poéticos. Até mesmo quando se trata da própria experiência, a distância faz belos retratos das cenas mais terríveis. Depois de muito tempo, vamos analisar as aventuras e tudo fica lindo. Mas, só os guias e guardiões sabem o estresse, o desconforto e a luta que foram certas jornadas. Talvez porque exista muita poesia na falta, no passado e na saudade também. Provocam dor. E a dor nos conscientiza da vida, nos possibilitando a consciência da abundância, do presente e do contentamento. 

Assim, nas histórias, as partes que me interessam mais são sempre aquelas onde contam as etapas do aprendizado dos personagens, tudo por que precisam passar, todos os erros, para construir um grande final. O empenho certo, o foco total direcionado a alguma coisa é muito mais interessante até do que a coisa em si. Ela acaba sendo apenas uma consequência, um registro. E depois de uma ou duas dores pelo caminho, aprendemos, por isso, a apreciar as cicatrizes. Elas provam que foi real e apesar de tudo estamos vivos. Por que é isso o que a vida é, um processo. Então, fico muito feliz quando tenho notícias de que alguém está empenhado em alguma coisa e quanto mais global é esse empenho, afetando mais áreas da vida, mais fico feliz. A pessoa está se planejando, estudando, pensando a sua vida profissional ou o seu negócio de forma estratégica, aprendendo a se organizar financeiramente, cuidando da alimentação e do corpo, da aparência como um todo, pondo tudo em prática, em movimento... Até quando são pessoas que já me fizeram algum tipo de mal... não tem como não admirar a atitude. 

Às vezes o objetivo final é na verdade apenas uma desculpa. Tipo comprar morangos só para comer creme de leite. As conversas de bar são exemplos disso. Todo mundo bêbado, falando nada que preste, sequer ouvindo os outros, um monte de besteiras e soluções sem sentido para toda e qualquer coisa... E todo mundo feliz por simplesmente estar ali, pelo conversar, pela brincadeira, pela companhia... pelas histórias...

Lembro de uma aula em que eu precisava mostrar aos alunos do Ensino Médio a importância dos processos. Para que aprendessem a valorizar seus erros e não demonizá-los. O medo de errar é ruim para qualquer um, mas no início da vida, pode ser fatal. E se misturar com a preguiça, então... Mas, como eu dizia, cada "erro" a mais, na verdade, é um "erro a menos" e assim você acaba encontrando seu caminho individual e único. Só assim, na verdade. Daí vem aquela idéia do Kant sobre a impossibilidade do Ensino e da Psicanálise. É impossível ensinar realmente. Qualquer coisa. No entanto, é possível aprender. Só que é impossível aprender sem se deparar com os erros. Claro, se você aprende a reconhecê-los também e como corrigi-los. Fingir que nada aconteceu, não leva ninguém a crescimento algum. E precisar falar sobre isso, elaborar uma aula, com exemplos obviamente no universo das Artes, acabava tocando em partes minhas tão profundas que tenho certeza, me ensinou muito mais do que a eles... Nessa aula eu os apresentava aos livros de artista, aos sketchbooks, ao Abstracionismo, ao Expressionismo Abstrato, à obra de Pollok e dos artistas do Colorfield e, assim, essas propostas artísticas começavam a fazer um pouco mais de sentido para meninos e meninas de 14 anos, cheios de convicções e preconcepções enfiadas na cabeça deles por adultos que geralmente não entendem de coisa alguma. Recebem um monte de respostas para dúvidas que sequer surgiram ainda. E além disso, tem as redes sociais atrapalhando esse meio de campo também, na medida em que são ambientes onde se vai para expor opiniões. E se você tem acesso a elas numa época em que ainda precisa estar apenas observando, contemplando e recebendo informações, não dá tempo de haver um amadurecimento adequado das idéias antes de pensar em expô-las. E assim, as opiniões acabam sendo pouco valorizadas porque de fato têm pouco valor. Então, o estudo prático das linguagens artísticas, todas, passa a ser essencial por essa razão! Porque elas oferecem experiência real, processo, erro, mais apreço pela jornada do que pelo destino. Ao experimentar, por exemplo, colocar a tela no chão e ir deixando a tinta cair aos poucos com pincéis encharcados ou até mesmo com colheres, abre-se uma série de concepções filosóficas e percepções sobre a realidade e a vida que nenhuma aula expositiva, documentário, palestra, conseguiria. O ser aí, passa à frente do ter. E para ser é preciso fazer, então o processo ganha prioridade sobre o resultado.  O produto nessa história é um mero registro, a prova de que algo importante aconteceu.

O mundo virtual acaba distanciando as pessoas da realidade. A lógica do download e dos clicks faz acreditar no imediatismo de tudo mais e na não materialidade da vida. A realidade do mundo físico e do tempo de cada coisa vai ficando distorcida, como se pudesse ser substituída ou acelerada e cada vez mais o ontem e o amanhã, o outro lugar, e nunca o aqui e o agora, vão tomando de nós o presente e a experiência sensível, real, objetiva.

Tem um outro detalhe interessante, está até naquela lógica do Goethe: além de o processo nos fazer alertas, vivos, presentes, com o tempo aprendi, se você dá tudo de si nele, os outros começam a torcer por você, a sentir vontade de contribuir, participar. As coisas vão ficando mais fáceis e rápidas assim. Porque você passa a ser exemplo, inspiração. E sem perceber, começa a dar algo aos outros: esperança. Assim, as pessoas passam a querer acompanhar a sua jornada. Vibram com seu empenho, sofrem e eventualmente, aprendem com seus erros... Você acaba mostrando que algo é possível e isso é o suficiente para plantar uma semente de sonho na cabeça de todo mundo e mostrar que agora precisam florescer em objetivos realizados, reiniciando assim a samsara. E essa é a prova de que na verdade, não sou só eu que acho os processos interessantes. Desde que existe gente no mundo, existe erro e portanto, existem também as histórias e os sonhos. Afinal, do que somos feitos se não de sonhos, erros e histórias?

quinta-feira, 18 de abril de 2024

Pla(n)tão

Há três dias estava um pouco angustiada pensando nesse piadista. Com tantas notícias sobre guerras lá pelos lados da casa dele, foi simples fazer essa associação e encontrar uma explicação racional para a preocupação aparentemente do nada...  Então, hoje de manhã, recebi umas notícias sobre um temporal super violento ali, há três dias atrás, dizendo que algo assim não ocorria naquela terra há 75 anos. E a coisa está bem mais séria do que parece. A cidade virou um lago. Simplesmente não tem canais, sequer meros bueiros. Os caras "semeiam nuvens", têm acesso às maiores facilidades que a alta tecnologia pode proporcionar, mas não estão preparados para um monte de coisas simples. Detalhe imperceptível e totalmente inesperado assim de longe. Um caos generalizado. Não tá dando pra fazer compras... pedir comida! Tem gente presa no aeroporto há 3 dias.

Estou procurando brincar, trocar memes, fazer piadas com o calor... Tentando não enviar mensagem de cinco em cinco minutos... Mas, pra ser bem sincera, não estou conseguindo ficar em paz. A pior sensação que existe é a de não poder fazer nada diante do sofrimento daqueles com quem me importo. E já é a segunda deste tipo só esse ano. 

quarta-feira, 17 de abril de 2024

De Probleminhas e Guerras

Apesar do cheiro de pizza vindo do vizinho estar me desconcentrando um pouco, estou tentando pôr as pequenas coisas em ordem. Na maioria das vezes eu quero e ao mesmo tempo não quero falar sobre elas, parar pra refletir, analisar... Talvez eu precise mais do que tenho vontade, é isso. E em nome da manutenção do mínimo de sanidade, faço esse esforço, mas nem tanto também. Especialmente quando são miudezas, coisinhas, um furinho a toa na boia... Tendo a não dar tanta atenção, ou procuro não deixar ocuparem espaço na minha cabeça. Mas, quando se tornam um enxame, começa a ficar ligeiramente preocupante. Aí preciso ver um dia para reservar um tempinho e sentir essas pequenas dores pelas quais vou evitando me entristecer por falta de tempo. Hoje acabou sendo um bom dia para isso. Não dormi bem... acordei muitas vezes durante a noite. E talvez isso tenha comprometido o meu horário um pouco, porque não produzi, não estudei, nenhuma idéia ficou boa, minha concentração está uma droga. 

Fui para a academia, pelo menos. Me arrastando pelo caminho. Encontrei a gatinha ali do outro condomínio. Todo dia ela vem me cumprimentar... Mas, aí, fiquei triste por isso também. Lembrei que há três anos, quando eu passei uns dias fora de casa e voltava só pra conferir a comida e a água do Mambo, ele ficou claramente deprimido. Ele tem feito muita falta. E quando começo com essas lembranças vou seguindo num trem fantasma de memórias tristes e pequenas chateações antigas e recentes que nem passam pela minha cabeça normalmente, como se de fato não existissem. Mas, a cabeça é um computador, tudo sempre esta lá em algum nível, por mais inacessível que pareça. 

Estou sentindo muitas dores hoje, nem sei de onde arranjei forças pra ir levantar uns pesos. Talvez tenha sido esse senso de auto preservação. Já que está ruim, se eu me mexo, existe uma chance de encontrar uma posição mais confortável. Ficar parada é desconforto certo. No, entanto, aquele dois de paus hoje de manhã já estava me preparando para o dia. Embora a rotina tenha seguido normalmente, nada pareceu sair do lugar. Fiz um chá, mas nem ouvi música, nem li nada de legal... O silêncio está agradável. Tirando esses projetos de foguete que deram errado passando toda hora aqui na rua. 

Ser introspectiva e introvertida num mundo barulhento onde não respeitam seu espaço, seu jeito, seu tempo, seu silêncio sempre foi motivo de muita frustração. Não para mim, claro. As expectativas depositadas em mim, as projeções, a carência e o egocentrismo de quem pensa que os outros existem para entretê-los ou servi-los acabam tornando as situações pesadas e cansativas para quem não se manca. Isso somado à intromissão e intimidade forçada só contribuem ainda mais para o Himalaia, onde me refugio, ficar ainda mais alto e distante do resto do mundo. E só eu sei o que me fechou, o que me tornou cautelosa e isolada. Disponibilidade zero para marias mijonas, vitimistas e chorões. 

Sempre existe muita oportunidade para mostrar o seu valor na minha vida, pra quem se interessa. Mas, raramente acontece. E meu critério não é assim tão alto. Poderia ser. Não é. E nem vou entrar numa reflexão sobre isso porque o assunto é outro. Em especial, no ano passado houveram centenas dessas oportunidades. Teve polícia... Ministério Público... Gente louca em excesso. Precisei de muitas coisas, dessas que qualquer pessoa que se importasse o mínimo comigo poderia oferecer. Mas, como sempre, eu estava sozinha. Curioso, pois, sempre houveram aqueles que praticamente levei no colo. Gente com quem passei dias inteiros oferecendo apoio, conforto, companhia. Gente por quem eu arrisquei coisas extremamente importantes, por quem eu iria até o inferno tirar satisfação com o demônio, por quem fiz malabarismos com meu tempo, meus compromissos, meu dinheiro, meu espaço. E que estaria, de um jeito ou de outro, completamente incluída como parte da minha vida. Porque, podem me achar maluca, não entender absolutamente nada sobre a forma como vejo as coisas, mas para a alegria ou a tristeza dessas pessoas, eu sou de verdade. Não vou ficar fazendo teatro a troco de nada. E todas sabem disso! A vida é curta demais para certas bobagens. No entanto, até este momento, continuo lidando sozinha com cada pequeno foco de incêndio que se inicia e pra mim isso é uma constante desde o início. Normal. Cada um que cuide da sua vida e é isso aí. Parem de depositar expectativas sobre mim. Parem de esperar sorrisos, simpatia, qualquer tipo de cuidado ou atenção da minha parte. De tanto ir pra guerra sozinha, me acostumei e comecei até a achar bom. Então, já que nas minhas guerras estou sozinha, espero que na minha paz me deixem sozinha também. Oportunistas. Abusadores. Covardes. A carapuça tá aí para qualquer um.

sexta-feira, 12 de abril de 2024

Carta 24

Estou, para variar, no meio de um projeto. Muito trabalho e tudo mais... A única e grande novidade dessa vez é que estou conseguindo concluir um dos meus. E como em todas as minhas jornadas autorais, neste, venho experimentando há dois anos algumas manifestações evocadas pelo conceito do trabalho. Sei que muitos artistas passam por coisas semelhantes. No meu caso, atualmente, é um deck Lenormand. São 36 cartas conceituais. Menos desafiador do que um deck de Tarô, que farei posteriormente. Portanto, comecei por esse. Queria algo para experimentar o planejamento, gerenciamento, execução, divulgação e venda antes de um livro ou outros produtos mais complexos listados há séculos, alguns iniciados, porém jamais concluídos. Mas, o mais interessante é estar ocorrendo esses eventos menos práticos e objetivos. E tudo se passa de forma tão categórica, tão ostensiva, tão descarada... Bom, mas é aquela coisa... Vê quem quer ver e não vê quem não quer também.

O projeto vinha muito bem até a carta da Montanha, quando recebi uma proposta irrecusável e precisei dar uma pausa. O planejamento ficou ali, por um ano, no mural, sem avançar. Depois de muitas dificuldades, retomei na carta seguinte: Caminhos. Daí entrei numa de que nada estava ficando como eu queria, nada estava bom, não era nada daquilo... Muitas dúvidas, experimentos e indecisão diante de tantas idéias diferentes. Sou minha pior cliente. Fiz tantos desenhos dessa carta, passei noites sonhando com idéias até decidir como afinal todo o baralho irá ficar. Mudei tudo. Completamente. Layout, desenhos, linhas, cores, estilo... E esse processo me obrigou a repensar toda a minha vida, tudo o que gosto, toda a verdade sobre o que realmente quero fazer. Isso provocou a reformulação dos meus processos e do resultado que procuro. Então, muita coisa será bem diferente daqui para frente.

Enfim, agora tudo está andando de novo, a carta dos Caminhos trouxe uma escolha no meio de tantas possibilidades. Em seguida, fiz o mais rápido que pude, a carta dos Ratos. A propósito, foi justamente no dia de pagar contas e fazer compras... Comprei, inclusive, material de desenho. E precisei gastar com uma multifuncional nova também. Comecei, correndo, a rabiscar ideias para a carta seguinte a essa (e neste momento ainda estou nela)... 

Aí, na quarta, antes de pegar a estrada outra vez, estava esperando completar o tanque de gasolina  e enquanto o sol das três batia nos meus olhos, passava na cabeça o longo trajeto que faço toda semana até outra cidade. A demora, o custo, a energia, todos os contras... e surgiram os questionamentos de sempre, diante de qualquer coisa trabalhosa e importante... "Tenho mesmo que fazer isso?", "Não é mais uma daquelas coisas que resultarão em nada?", "Não vai ser perda de tempo, de novo?", "E de dinheiro?"... É... eu sou resistente assim. Mas, então, o frentista veio com a máquina de cartão. Meu deus, eu vi quanto deu a conta! E, enquanto estava digitando a senha, atônita com os números, ouvi uma gargalhada e olhei para o outro lado. Antes que eu pudesse dizer que não precisava da minha via, o rapaz arrancou o papelzinho do comprovante e me desejou boa viagem com um sorriso enorme. Liguei o carro, o som e parti. A conta deu nada mais, nada menos que 93,93!   

domingo, 7 de abril de 2024

Gabriel

Às vezes tenho tanto para fazer que mal consigo raciocinar e entender por onde é melhor começar. Isso vai criando uma ansiedade que se não for detida por praticas meditativas, contemplativas, atividade física, etc, podem causar paralisia. E já passei por essa situação vezes demais para cair nela outra vez. Depois de tantas reconstruções, deu para aprender um truque ou dois. Então, passei a noite fazendo algo raro: pedindo ajuda. Faço tanto disso pelos outros... pessoas que podem até nunca ter sentido as boas vibrações, no entanto o nome de cada uma está lá em todo sábado... toda quarta de banda... Para mim mesma, porém, é bem raro. Mas, ontem a noite, dormi pedindo orientação em assuntos específicos. 

Acabei de passar pelo corredor. Tem uma pequena mariposa pousada na parede ali, do lado do interfone. E estou sentindo agora a noite, muito claramente, o aroma do banho de ervas que tomo, às quartas e sábados, antes do meu trabalho. Espada de Iansã, Barba de Velho e Manjericão branco. E isso me lembra de que hoje pela manhã, entre seis e sete horas, no caminho do quarto para a cozinha, passei pela sala. Ensolarada, cheia de pequenos arco-íris e pontinhos de luz, pois pendurei há muito tempo na janela um globo de boate que eu mesma fiz com quadradinhos de espelho e uma bola de isopor, e dois poliedros de vidro cheios d'água, onde o sol bate e cria esses efeitos tão bonitos. Até aí, caramba, já estava lindo, com a melhor vibração possível. Então, olhei para a janela e para o chão embaixo dela. Havia, simplesmente, uma pena